quarta-feira, 12 de março de 2008

_agora eles eram o gênio

)e pensar que acabei de publicar o texto debaixo...(


Já tinha seus alguns anos de primário, não era novato, pelo contrário; não havia razão para aquele frio na barriga. Tomava seu desjejum – maçã, leite com banana, granola, puta que o pariu! uma baita refeição pra um moleque na meninice – afinal, por mais que diga sustentar-se num dia todo de brincadeiras e estudos com apenas um Bom dia de sua mãe, ninguém cria forças do além. As colheres da maçã e da granola eram distintas; uma de sobremesa, outra de chá – essa para a fruta; raspá-la até esmiuçá-la a uma polpa gosmenta facilita sua ingestão. O copo em que estava a vitamina de leite com morango não era tão infantil quanto aquele que o segura; transparente, incolor, como um tronco de cone. Sua mãe está mais preocupada com o transtorno da cozinha, com a comida a fazer para si e para as crias, com o marido de sono profundo, com a ordem, acima de tudo – não é incrível a capacidade de nossas mães )até os órfãos a têm, garanto pelos deuses!( arrumarem toda a sala logo depois de uma festa de meninos em torno do vídeo-game, com cachorros-quentes, com milk-shakes e quitutes saudosos da infância? Ele está a comer seu desjejum sem qualquer zelo direto da mãe – como dito, elas são seres especiais, sabem o que passa em torno de si sem mesmo olhar, basta-lhe um dos sentidos –, suas mãos trêmulas derrubam um pouco de maça no copo de vitamina, um pouco de granola na toalha ovulada da mesa. Está no modo automático, se pudéssemos compará-lo a um carro, pensa não no’aqui, mas no’ali, nos dez minutos iniciais do retorno às aulas. Poxa, leitor, imagine você também, um recém-bebê, vai largar sua mãe e deixará de lado o conforto e familiaridade de seu quarto para ir a um lugar hostil onde mal se consegue falar o que quer – o mundo dos púberes e infantes é diferente do dos adultos, é sempre mais fantasioso e épico; o dos velhos é conformado e regido pelas morais e pelas éticas e por isso e por aquilo. puta mundinho chato...mundinho de velho! é o que pensaria um pirralho como o nosso aqui. Está temeroso. Nossa criança está com receio de ir a escola pois sabe: está se tornando um deles; pensa ele que a escola não passa de uma instituição de lavagem cerebral, um lugar em que se aprende a etiqueta de ser-adulto. Seus dedos tremeluzem, mais desordenadamente que aqueles feixes de laser que os palestrantes usam. Sua colher, agora que passaram alguns dois minutos – chega a hora! –, não mais adentra em sua boca, erra e acerta o lábio, a bochecha,... Asseia-se, dois minutos seria exagerado. Sua mãe – nesses quatro minutos! – foi capaz de arrumar a cozinha, acordar o marido, assear-se, vestir-se, pôr sua filha no carro e chamar Venha, filho, está atrasado pro seu primeiro dia de aula. Sabe, leitor, aquele frio na espinha que dizem ser a morte passando sua foice em nossas costas? capaz que nossa criança ache que a escola seja a morte a partir de hoje.

Ah, a matemática, como assusta! Pior: para que saber que duas bananas para cada um teríamos se tivéssemos seis para três pessoas? isso sim é conhecimento inútil, dá-me cá um carrinho de controle remoto que eu esmago essas seis bananas!

)pulemos o sofrimento de nossa criança, afinal, isso aqui não é um conto de terror, vamos à aula em si que nos é mais importante.(

Era o primeiro ano em que a escola decidia colocar uma dupla ao invés de carteiras individuais. Em todas as aulas, portanto, a cabeça pensante de um se mesclaria com a do outro e a genialidade seria duplicada – era esse o raciocínio, correto? – a dupla de nosso personagem era outro garoto, um daqueles que está no grupo dos populares e que, em realidade, não passa de mais um...não é um pop, só tem os contatos certos. A sala parecia uma masmorra repleta de obstáculos, dragões e espinhos, uma longa estrada que terminaria no castelo mal-assombrado que era seu lugar, ao lado de um feudo reinado por um nobre até então inimigo. Que tarefa!

Aventura passada )aqui não vale a pena traduzir a aflição pela qual nosso protagonista passou...nada será de tamanha magnitude(, estão sentados ele e seu colega. Como já dito, ele era um dos integrantes do grupo pop, não era alguém conhecido. Chamava-o de Você. O silêncio entre os dois parecia infindável, um abismo pelo qual apenas um dragão alado conseguiria voar. Ou melhor ainda, eram aqueles instantes prévios da batalha entre os guerreiros; um analisava o outro, procurando pontos fracos, estudando movimentos, esperavam por um deslize para iniciar o combate.


A aula começava de fato. Era momento de aprender a maldita matemática, a professora, com todo aquele vocabulário maternal e confortável, passava exercícios de sistematização, era esse o termo...algo para relembrar o conteúdo. Nossa...que chatice, três meses inteiros de férias e agora vem essa velha coroca querendo que eu lembre como que eu faço contas...que cocô! O monobloco novinho com ilustrações de desenhos animados do canal infantil seria finalmente estreado, o lápis 2B da faber-castel sujaria pela primeira vez o dedo de nossa criança com o toque da desabilidade manual – quase poético. pena que a poesia daqui está mais além. Seus olhos fitavam a caligrafia garranchada no papel, Eu entendo, é o que importa, diria ele; de fato, estava enganado. A professora corrigiria o exercício de sistematização em questão de alguns dias, precisava entender o que estava lá escrito. Fitou por alguns segundos as questões, mal olhou para seu colega pseudo-pop e partiu-se ao trabalho, cinco questões de tirar o fôlego. Seu colega, ao lado, só observava a habilidade matemática de sua dupla: em alguns minutos, fez a primeira questão – uau, esse é um gênio! – mais alguns minutos, a segunda estava feita – qué isso? – terceira, quarta, quinta. Todas feitas e metade da aula ainda sobrava.


Seu medo de conversar com o pseudo-pop era tamanha, preferia ficar em seu mundo, apreciar o seu próprio ego. Arriscando-se, deixou a folha com as questões resolvidas próximo do campo de visão de sua dupla, era um primeiro contato direto – e que contato! – entre ambos, era o início de uma amizade. Você é um gênio, disse à nossa criança, olha só como você faz tudo tão...facilmente!! Mas...pera...acho que essa questão está errada, olha, peraí, deixa eu fazer essa...ei, essa dá pra fazer desse jeito também, né? Não fica mais fácil? Nossa...mas mesmo assim, nunca teria pensado em fazer usando esse raciocínio.


Ficaram conversando sobre as questões o restante da aula, resolveram e resolveram-nas por diferentes maneiras, cada hora com um raciocínio novo. Era uma união da timidez com a popularidade – se é que isso a poesia me permite dizer – na frieza matemática. A aula acabou: Cara, você é um gênio.



)Mal sabiam as duas crianças que genial era a matemática e que ainda mais genial era essa dupla.(

sexta-feira, 7 de março de 2008

_ Ø Q ou o conto em que o protagonista morre no final

)como diria um poeta da meia noite, esse poema lê-se de olhos bem fechados, apenas; dizem que a morte é melhor vista se, ao passeio fatal de rotina, jogarmos fogo nela. Gui, isso foi pra você, pare de decifrá-lo pela leitura, leia-o.(

Das cartas violetas às ligações de sete dias, o que me sobrou a mim foi surpresa, a morte de supetão. E de supetão ei-la.


Minhas mãos passeavam pelo corpo seu como se acariciando estivesse – era em fato carinho, daqueles que seguram e protegem e dizem Cá está a salvo, ao lado de mim – e meus dedos sentiam o grosso de uma cútis calejada – diz você ser resultado meu de tamanha carícia. Sabe você mui bem o que quero, é apenas mais uma demonstração de afeto. Como gosto de sua barriga! Pena ser a única a saber do que me aflora à pele. Vezes até duvido que saiba de fato. )Ah, se o amor fosse moda... Não que o mundo passaria a ser melhor, seria ao menos mais amoroso.( Seu semblante feliz só me diz ou pouco menos – quiçá seja incapacidade minha de entendê-la. Em bom português: que se foda...gostava mesmo era de perder alguns segundos descobrindo um deserto de células mortas.

Mas, ah, meu dedo... Sua pele começa a incomodar meu dedo, que passa a se ver ameaçada Não quero esse destino, sou madame. não suporto concorrência com a beleza que é só minha. Aceito os motivos. Ignoro-lhe a razão.

Pouparei seu tempo. Meu dedo e eu brigamos. Feio. Nada mais previsível. Queria que você continuasse a sorrir – era o sorriso meu que se refletia nos seus dentes, que de brancos, só tinham a pasta; em fato queria manter meu orgulho de tê-la a mim como um amuleto. uma conquista. Ah, mas não é que você – sua barriga safadaaa! – teimava em pedir por carinho, dando-me obrigação de responder – responder tornou-se uma compulsão para mim. era o que eu havia pedido. eu e meu ego – e lá ia eu, boba, apaixonada, brincar. Adoro essa loucura de ver minha felicidade estampada nos rostos dos outros; um exagero imensurável, uma mentira. Uma metáfora. )Não creio... Vem mesmo! Vem brincar comigo, barriguinha, gosto tanto de você, meu dedo compreende!(

Para que? Mais uma vez meu dedo me deu uma bronca. Ok, imagine como ficaria eu horrível com dedos de violeiro, minhas unhas recém-pintadas destoariam. Vezes um bom senso ajuda. )Vamos...compreenda, dedo, é só um carinho desmedido, calos não passam de pele para pele!(

Você deixou de sorrir; eu deixei de ser refletida; meu dedo está satisfeito. Estou aqui, esperando por mais uma safadeza sua; quem sabe sua ousadia não me sirva como desculpa para acariciá-la – ah, como gosto de sua barriga, você é tão macia – e para brigar um pouco mais. Sou uma menina que não faz por mal, faz por amor, faz por paixão – paixão, sim, essa é a palavra! – só quero mostrar isso a todos. )Ah, dedinho enciumado...não precisa disso, seu encanto ainda será só seu. as luzes vão para você ainda!(

Sei lá...me deu uma vontade louca de te beijar, sabe? Um beijo desses que se tasca, mas se perde no ar, só pra dizer Fique, calos, na barriga, estarei sempre por perto, meus dedos não atrapalhariam se você não me atrapalhar. Meus lábios não entram nessa história, não nessa versão – há algumas testemunhas do futuro que dizem que esse é só um começo e o beijo não tardará.

E foi enquanto te cantava, barriga, que meu dedo gritou Olha, é a morte.


)Estou vivo, por mais que a biologia e a metafísica não expliquem. Faço-o sem ajudas: eu, como migo, jazo, a barriga e o dedo, agora, inda brincam de...(


-X-


Esse é um texto arrogante pra caralho.

segunda-feira, 3 de março de 2008

_prova metafísica da existência ou ensaio sobre deus

Se pudesse eu ser lírico por completo, gritaria aos deuses a agonia de sentir as lâminas amoladas do tempo ceifando o agora do agora-há-pouco, ulularia a tristeza do meu navegar nesse rio, pediria misericórdia pela angústia do pesar que passa defronte meus olhos, sussurrando-me Vê, se vê, passou. Pretendo não tardar em ir ao ponto. Lembra daquela vez em que te levei àquela casa que tanto temia no fim daquela rua...

Isso que escrevo não é nada mais que uma recordação do dia que julgo ter sido o mais importante para si, aquele em que descobriu que minha mão não é mais que inimiga tua – sim, sim, sou seu irmão, e como bom irmão, só sou bom se for companhia; como motorista de si, sou um ótimo estraga prazer! – e que aquela casa, ao final das contas, só aparentava ser mal-assombrada; em verdade, era a carapaça que lhe dava o tom medonho. Ser irmão mais velho
tem suas responsabilidades também.

Quanta saudade daquele dia. Viu como é ruim não estar sozinho para suas próprias descobertas, pergunto eu. E mais: um cemitério de onças assassinas da tribo que viveu aqui na época dantes dessa cidade ser cidade é um disparate de grau mor.

Lembro-me que estava você todo cego pelo mito da casa que uivava às noites, via nada na sua frente que não uma idéia fixa. Sua, acima de tudo. Era sua epopéia, a razão de seus maiores pesadelos e sonhos, era um mundo desconhecido que existia apenas em sua imaginação. A casa não era simplesmente uma casa – assim como um homem nunca é o mesmo. Meus anos adolescentes pediam para que te ensinasse os macetes da vida, um deles era te desfazer das fantasias pueris que ainda rondavam sua cabeça – papai noel não gostaria de saber que não mais é personagem em sua vida – tudo isso por pura sensação de superioridade. Sim, sim. Sentia-me o maioral, o deus todo-poderoso, aquele que tudo sabe; ademais, em mim palavras se rebelavam pedindo por libertação. Foi o que fiz.

Era um dia daqueles que os deuses haviam separado para o culto aos olhos fechados. Sem firulas; era fim de semana. Depois do almoço, você me puxou pelos braços com olhos típicos seus, Vamos à casa, perguntavam-me; pois diz que minto, e diz a verdade. Seus olhos nunca falariam, ao máximo, ver-me-iam; era essa minha coisa que não sei explicar que me pedia que inventasse qualquer possível sinal de súplica por parte do seu corpo: o alvará perfeito pra que minha superioridade fosse posta na mesa. Puxei seus braços trêmulos para fora de casa – morávamos no mesmo quarteirão da casa maldita, pergunto se se lembra – e pude notar que havia um freio sutil que desacelerava meu passo: era você e seu medo de defrontar-se com suas verdades – sim, eram verdades suas; cria nelas como se numa religião – e confrontá-las com o que seus olhos queriam mostrar.

Se tivesse dez primaveras, acredito que estaria a pôr anos demais para si, provavelmente sua infância estava ainda no auge – logo se pôde notar com tamanha insegurança que vagava seu pé.

A casa era grande e velha. Telhas caindo, calha descascando, pergolado de madeira colonial apodrecendo, janelas quebradas, típico de um filme de terror. Sua mão suava frio, sei que se lembra disso. Dizia para você que a dona era uma simpática senhora de terceira idade, já enviuvada, que vivia com seus passarinhos livres pela casa, sempre, aos domingos de manhã, libertava-os para um vôo idiossincrático. Recordo-me da primeira vez que conversei com ela; era mamãe e papai que queriam comprar a casa, você ainda era criança de colo, só chorava, por sorte do hic et nunc, a senhora não aceitou a troca justa. Em minha decepção, decidi criar mitos sobre a casa para difamar sua imagem no quarteirão. Dos poucos que sobraram, alguns foram modificados.

Estava você logo atrás de mim, já com lágrimas escorrendo em um choro silencioso e taciturno. Toquei a campainha em uma ritmação que havia se tornado senha de acesso à casa – a senhora saberia de quem se tratava – e abro a porta sem mesmo esperar por resposta. Tenho certeza – não adianta mentir – de que você achou que seus pesadelos eram verdadeiros, o grande salão de entrada estava escuro, permitindo que sombras tomassem formas assustadoras. Você gritou bastante aquele dia. Um grito ininteligível. Mas um grito. Seu.

Ah, mas não seria justo, para mim, deixá-lo na mentira e na hipocrisia. Acendi as luzes. Ao andar superior, podíamos ver a senhora, com um sorriso no rosto, dizia que estava saudosa e que faria um lanche da tarde para padaria alguma botar defeito. Sentia seu pulso, estava a mil por minuto,
por certo.

Não sei o que passou com você, comemos os melhores quitutes, doces, chás, pães, balas, tudo que criança gosta. Seu rosto de assustado – ao que me parecia – não te deixava livre. Saímos de lá com sentimentos opostos. Saí como vilão.


)se você pudesse...ah, se você pudesse – uma única vez – notar que não são ruas, casas, cemitério de onças assassinas, sua imaginação, vontades adolescentes, luzes. Agora você está a caminho da casa, estou se conduzindo da mesma maneira que há anos atrás; suas verdades não querem oposição. E se a rua e a casa fossem esse texto, assim como o cemitério das onças não é mais que uma metáfora para representar a metáfora ou ainda que sua imaginação fosse sua interpretação para esse texto e a vontade adolescente minha em se contar toda a verdade e pôr ao chão suas idéias fosse justamente isso que cá faço; que me dirá você se dissesse que isso que acabo de revelar é a mais pura verdade, pergunto eu. Provavelmente não cometeria o mesmo erro duas vezes. O que acabo de se desvendar é apenas uma grande metáfora ainda maior.(